Círculos viciosos que alimentam o dólar viram desafio para os EUA

Círculos viciosos que alimentam o dólar viram desafio para os EUA

8 fevereiro 2016, 01:57
Thalya Mantovani
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O dólar está no centro de um emaranhado de círculos viciosos que está golpeando os mercados financeiros e economias no mundo todo. A situação está chegando a um ponto em que o Federal Reserve, o banco central americano, poderá ser obrigado a agir.

Mesmo depois de recuar, o fortalecimento do dólar nos últimos 18 meses continua sem precedentes. Nesse período, a moeda americana avançou 21% ante o euro e 15% contra o iene — ganhos que se tornam pequenos perto das altas em relação a várias moedas de países emergentes. O dólar subiu 72% ante o real, 49% contra o rand sul-africano e 117% sobre o rublo russo.

Esses movimentos estão tornando mais difícil para as empresas americanas concorrerem globalmente em preço e reprimindo ainda mais a inflação nos Estados Unidos, num momento em que o Fed quer que ela suba. Uma valorização ainda maior do dólar pode piorar a situação e, ao mesmo tempo, intensificar pressões globais que podem colocar a economia americana em risco.

Reconhecendo isso, o Fed e sua presidente, Janet Yellen, poderão não só reduzir o número de altas de juros planejadas para este ano, mas até não fazer nenhuma. Os mercados futuros, que no começo do ano indicavam que o investidor apostava em 50% de chances de que o Fed aumentaria os juros em sua reunião de março, agora mostram uma expectativa de que o banco central vai desistir da ideia.

Entre as várias forças relacionadas que estão sustentando a alta do dólar está o desempenho da economia americana, que é melhor que o de muitas outras e tornou os EUA mais seguros para os investidores globais. O Fed elevou os juros, enquanto os outros principais bancos centrais do mundo estão estimulando suas economias. Os preços do petróleo e de outras matérias-primas caíram fortemente, colocando os países produtores de commodities em risco e prejudicando ainda mais o crescimento global.

Apesar do recuo de ontem — no qual o dólar caiu 1,7% em relação ao euro, o iene ganhou 1,7% e o real, 2,3% em meio à turbulência nos mercados globais —, a tendência de alta do dólar no longo prazo está exacerbando muitas das pressões que deram impulso à moeda.

Uma manifestação disso é o volume expressivo de dívidas em dólar contraídas por empresas não financeiras fora dos EUA. Muitas firmas turcas, por exemplo, captaram muito em dólar nos últimos anos, mesmo gerando pouca receita na moeda.

A alta de 37% do dólar ante a lira turca nos últimos 18 meses tem dificultado o pagamento desses empréstimos. Essas pressões de dívida tornam o cenário econômico mais sombrio e intensificam a necessidade de dólares, o que, por sua vez, só serve para fortalecer ainda mais a moeda americana.

Produtores de commodities endividados em dólar estão sendo atingidos por um golpe duplo. O petróleo, o minério de ferro e a soja que o Brasil exporta são cotados globalmente em dólar. Então, quando o dólar se valoriza, os preços caem e os exportadores ganham menos. Combinada com a deterioração do real brasileiro, essa situação cria uma necessidade intensa de dólares que força os produtores de commodities a vender com descontos ainda maiores.

Enquanto isso, o enfraquecimento de outras moedas de países emergentes está deixando a já abatida China menos competitiva globalmente, o que está colocando ainda mais pressão nos formuladores de políticas chineses para que o yuan seja ainda mais desvalorizado.

Receios de que isso possa acontecer está elevando a pressão sobre os preços das commodities, já que um yuan mais fraco tornaria mais difícil para a China comprar matérias-primas. Isso, por sua vez, enfraqueceria mais as demais moedas à medida que os mercados de câmbio levam em conta a possibilidade de uma desvalorização do yuan.

As preocupações com o yuan estão contribuindo para uma debandada de capital da China, com chineses e estrangeiros tirando seu dinheiro do país para protegê-lo contra futuras desvalorizações. As autoridades chinesas têm liquidado títulos do Tesouro dos EUA para manter o yuan estável em meio à fuga de capital, mas, como mostra a queda dos rendimentos desses títulos neste ano, está fácil encontrar compradores para esses papéis.

Na verdade, a disponibilidade dessas notas do Tesouro americano pode ter tirado a liquidez de outros títulos de dívida em dólar, piorando uma situação que já era ruim.

Na maioria das vezes, os problemas que fortalecem o dólar estão acontecendo longe dos EUA. Mas não há como o país escapar de seu impacto adverso. A combinação de fraqueza externa e dólar forte derrubou os preços dos importados nos EUA, empurrando ainda mais para longe a meta do Fed de atingir uma inflação de 2% ao ano. E isso também está afetando a economia de outras formas: se não fosse pela expansão do déficit comercial, a alta do produto interno bruto americano no quarto trimestre teria sido 0,5 ponto percentual maior.

Embora a atuação do Fed se concentre nos EUA, essas são coisas difíceis de um banco central ignorar, e mostram como a globalização tem aumentado continuamente a exposição da economia americana ao resto do mundo.

Além disso, depois que o Banco do Japão fixou juros negativos, na semana passada, e o Banco Central Europeu sinalizou que está pronto para fornecer novos estímulos à economia em março, a divergência entre as políticas monetárias do Fed e de outros BCs aumentou. Isso ameaça dar um novo ímpeto ao avanço do dólar e justifica uma sinalização mais forte pelo Fed de que vai adiar seus planos de subir os juros.

O perigo é que isso não tenha força suficiente para segurar uma alta do dólar, nem suas consequências. Certamente não será uma panaceia para os problemas do mundo. Mas, considerando a alternativa de ficar assistindo a uma situação perigosa ficar ainda pior, o Fed pode não ter escolha.

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