Desde a crise financeira global, em 2008, surgiu um padrão extraordinário: os governos, bancos centrais e instituições financeiras internacionais têm tido que rever em baixa, constantemente, as suas previsões de crescimento. Com pouquíssimas excepções, isto tem acontecido com as projecções para a economia mundial e também para cada país isoladamente.
Trata-se de um padrão que tem provocado verdadeiros danos, uma vez que as estimativas excessivamente optimistas atrasam a tomada de medidas necessárias para promover o crescimento, travando assim uma plena retoma económica. Os responsáveis pelas previsões têm de compreender o que correu mal: felizmente, uma vez que a experiência do pós-crise se prolonga, algumas das peças que faltavam estão a começar a ser mais evidentes. Eu identifiquei cinco.
Em primeiro lugar, a capacidade de intervenção orçamental – pelo menos nas economias desenvolvidas – tem sido subutilizada. Tal como Frank Newman, ex-vice secretário norte-americano do Tesouro, defendeu num livro recente, Freedom from National Debt, consegue-se avaliar melhor a capacidade de um país para intervir orçamentalmente se analisarmos o seu balanço agregado em vez de usarmos o tradicional método de comparação da dívida (o seu passivo) com o PIB (o seu fluxo).
Basearmo-nos no método tradicional resultou no desaproveitamento de oportunidades, especialmente atendendo a que o investimento produtivo do sector público pode perfeitamente pagar-se sozinho. Os investimentos em infra-estruturas, educação e tecnologia ajudam a impulsionar o crescimento de longo prazo. Aumentam a competitividade, facilitam a inovação e fomentam retornos ao sector privado, gerando crescimento e emprego. Não é preciso muito crescimento para compensar até mesmo investimentos substanciais – particularmente tendo em conta os actuais baixos custos de financiamento.
Um estudo levado a cabo pelo Fundo Monetário Internacional indicou que estes multiplicadores orçamentais – o segundo factor negligenciado por quem faz previsões – variam consoante as condições económicas subjacentes. Em economias dotadas de capacidade excedentária (incluindo o capital humano) e com um elevado grau de flexibilidade estrutural, os multiplicadores são maiores do que antes se pensava.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a flexibilidade estrutural contribuiu para a retoma económica e ajudou o país a adaptar-se às transformações tecnológicas de longo prazo e às forças de mercado globais. Na Europa, em contrapartida, as mudanças estruturais encontram resistência. Os estímulos orçamentais na Europa podem continuar a justificar-se, mas a rigidez estrutural irá reduzir o seu impacto no crescimento de longo prazo. As intervenções orçamentais da Europa seriam mais fáceis de justificar se fossem acompanhadas por reformas microeconómicas destinadas a reforçar a flexibilidade.
Uma terceira peça do puzzle das previsões é a disparidade entre o comportamento dos mercados financeiros e da economia real. A julgar apenas pelos preços dos activos, teríamos de concluir que o crescimento está em expansão. E, obviamente, não está.
Um importante factor que explica esta divergência tem sido a política monetária extremamente flexível, que, ao inundar os mercados financeiros com liquidez, era suposto promover o crescimento. Mas não está ainda claro se os elevados preços dos activos estão a sustentar a procura agregada ou sobretudo a modificar a distribuição de riqueza. Está igualmente por esclarecer o que acontecerá aos preços dos activos quando a ajuda monetária for retirada.
Um quarto factor é o da qualidade da governação. Nos últimos anos, não tem havido falta de exemplos de governos que abusam dos seus poderes para favorecerem a elite dirigente, os seus apoiantes e uma variedade de interesses particulares, com efeitos nefastos na regulação, no investimento público, na prestação de serviços e no crescimento. É muito importante que os serviços públicos, o investimento público e a política pública sejam bem geridos. Os países que atraem e motivam gestores públicos com qualificações conseguem ter desempenhos acima dos seus pares.
Por último, e mais importante, a magnitude e duração da queda na procura agregada tem sido maior do que o esperado, em parte porque o emprego e os rendimentos médios têm estado muito atrás do crescimento. Este fenómeno já vem desde antes da crise – e, no pós-crise, os elevados níveis de dívida dos agregados familiares têm exacerbado o seu impacto. A estagnação dos rendimentos nos últimos 75% da distribuição constitui um desafio especialmente crítico, porque trava o consumo, mina a coesão social (e, por conseguinte, a estabilidade e eficácia política) e reduz a mobilidade intergeracional – especialmente quando o ensino público é medíocre.
Por vezes as mudanças ocorrem a um ritmo que supera grandemente a capacidade dos indivíduos e dos sistemas para responderem. E esta parece ser uma dessas alturas. O impacto das novas tecnologias e das transformações nas cadeias globais de fornecimento desequilibrou os mercados laborais, ao fazer com que a procura no mercado de trabalho mude mais depressa do que a capacidade de adaptação da oferta.
Esta não é uma condição permanente, mas a transição será demorada e complexa. As mesmas forças que estão a aumentar drasticamente o potencial produtivo da economia mundial são em grande medida responsáveis pelas tendências adversas na distribuição de rendimentos. A tecnologia digital e o capital eliminaram os empregos com níveis de rendimentos médios, ou deslocalizaram-nos, gerando um excesso de oferta de mão-de-obra que tem contribuído para a estagnação dos rendimentos precisamente nesse segmento.
Uma resposta mais decidida exigirá uma consciencialização da natureza do desafio e uma predisposição para atender a esse desafio através de fortes investimentos em áreas-chave, particularmente na educação, cuidados de saúde e infra-estruturas. Tem de ser reconhecido que este é um momento difícil e que os países têm de mobilizar os seus recursos para ajudarem as suas populações na transição.
Isso significará redistribuir os rendimentos e garantir o acesso aos serviços básicos essenciais. Se para travar as desigualdades e promover as oportunidades intergeracionais forem introduzidas algumas ineficiências marginais e se penalizam alguns incentivos, vale a pena pagar esse preço. A oferta pública de serviços de base essenciais, como a educação ou os cuidados de saúde, poderá nunca ser tão eficaz como as alternativas do sector privado; no entanto, quando a eficácia comporta exclusão e desigualdade de oportunidades, a oferta pública não é um erro.
Esperemos que uma maior consciência da importância destes e de outros factores tenha um efeito positivo nas agendas políticas de 2015.