Dólar, petróleo, Argentina e Rússia agitam o mercado mundial de trigo

Dólar, petróleo, Argentina e Rússia agitam o mercado mundial de trigo

11 fevereiro 2016, 03:11
Thalya Mantovani
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Três carregamentos de mais de 180 mil toneladas de trigo da França foram enviados ao Egito na safra atual.O mapa do comércio global de trigo está sendo redesenhado por pessoas como Greg Harvey.

Durante muitos anos, Harvey, que mora em Cingapura, usou o trigo australiano em moinhos que ele administra no Sudeste Asiático. Em dezembro, ele buscou outra fonte: a Argentina.

A mudança ocorre à medida que a combinação de colheitas recorde, dólar forte e petróleo barato agita o multibilionário mercado global de trigo. Os silos abarrotados estão pressionando os produtores a buscar novos mercados e o petróleo barato reduziu os custos de transporte. A valorização da moeda americana está prejudicando os produtores nos Estados Unidos, o segundo maior mercado exportador da commodity, que é cotada em dólar, tornando o trigo produzido na Rússia e na Argentina mais competitivo. O Canadá é hoje o maior exportador mundial.

Enquanto isso, o trigo francês está sendo exportado para a Indonésia e o da Rússia, para a Nigéria. Na quinta-feira, um raro carregamento de trigo argentino chegou a Wilmington, na Carolina do Norte. Os EUA importam cerca de quatro milhões de toneladas de trigo por ano e consomem mais de 30 milhões de toneladas, de acordo com o Departamento de Agricultura americano, o USDA.

Na atual safra, a Rússia deve se tornar o maior exportador do mundo. A estimativa é que as exportações de trigo dos EUA este ano somem 21,8 milhões de toneladas, o menor volume em 44 anos, segundo o USDA. Já o Canadá deve exportar 20,5 milhões de toneladas, em comparação com 24,1 milhões um ano antes. A previsão do USDA é que as exportações russas avancem 3%, para 23,5 milhões.

“Há muito trigo disponível e isso derruba os preços”, diz Harvey, diretor-presidente do Interflour Group Pte, de Cingapura.

O preço do trigo negociado no mercado futuro de Chicago atingiu em 2 de dezembro o valor mais baixo em cinco anos. Ontem, o trigo para entrega em março recuou 0,2%, para US$ 4,575 o bushel, no mercado futuro da Bolsa de Chicago (CBOT). O valor é 1,2% maior que o de 2 de dezembro.

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À medida que o preço do trigo cai, o dólar — que no fim de janeiro atingiu seu maior valor em mais de 13 anos em relação a outras moedas importantes, de acordo com o índice de dólar do WSJ — vem encarecendo o trigo americano para os compradores que pagam pela commodity com outras moedas.

“A menos que as moedas dos países emergentes parem de cair, os EUA vão perder mais mercado para exportação e vão ver mais produto estrangeiro entrando [no país]”, diz Michael McDougall, diretor de commodities agrícolas do banco Société Générale SA em Nova York.

Os consumidores parecem estar se beneficiando do trigo barato, que é usado não só para fazer pão e macarrão, mas também ração para animais.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura anunciou na quinta-feira que o excesso do grãos e a concorrência mais acirrada contribuíram para que os preços dos alimentos caíssem em janeiro para perto do nível mais baixo em sete anos.

Os estoques globais de trigo subiram para 213 milhões de toneladas na safra de 2015-2016, o maior nível registrado desde 1960, de acordo com o Conselho Internacional de Grãos. A entidade prevê que os estoques vão cair apenas ligeiramente na safra 2016-17, para o segundo maior nível desde 1960, em meio a perspectivas favoráveis de produção.

A redefinição das rotas de comércio tem ocorrido em meio a uma queda que se estende por 20 meses nos preços do petróleo, o que reduziu o custo do frete. O Baltic Dry Index, índice que monitora a movimentação de matérias primas por via marítima, atingiu na quinta-feira seu nível histórico mais baixo. Em janeiro, operadores chegaram a cobrar US$ 7,59 pelo transporte da tonelada de trigo da França até o Egito, bem menos que os US$ 13,75 cobrados um ano antes.

Isso ocorre após anos de preços altos, em meio a uma demanda que crescia rapidamente por parte da China e outros mercados emergentes. Mas o excesso de oferta, assim como ocorreu com outras commodities, do petróleo ao cobre, derrubou os preços e desencadeou uma batalha por participação de mercado.

Certamente, outras mudanças podem ocorrer caso se registre sérios problemas nas safras, uma queda do dólar ou uma recuperação nos preços do petróleo. Mas poucos preveem que isso aconteça no curto prazo.

A Rússia tem conseguido roubar mercado do trigo americano. Sua moeda, o rublo, atingiu o nível mais baixo em relação ao dólar em meados de janeiro.

Com um preço tão reduzido, o trigo russo está chegando a mercados onde não estava presente há anos, ou mesmo onde nunca havia chegado antes, ganhando terreno em mercados consolidados como o Egito. Isso inclui mercados tradicionalmente dominados por países como os EUA, que no ano passado perdeu para o Canadá o posto de maior exportador de trigo do mundo.

“Nesta safra, estamos vendendo mais para destinos mais distantes como a Nigéria [...] e também fornecemos um pouco de trigo para o México”, diz Andrey Sizov, diretor-gerente da SovEcon, consultoria russa especializada em agricultura.

Isso tem prejudicado os produtores americanos, contribuindo para uma queda de 38% na renda rural no ano passado, segundo estimativa do USDA.

O Brasil é tradicionalmente um importador de trigo, embora também exporte em períodos em que há excedentes, tendo exportado um total de 1,78 milhão de toneladas em 2015, segundo dados da Abitrigo, associação que representa a indústria. A Argentina é responsável pela maior parte do trigo importado pelo país, com mais de 70% do total em 2015, segundo a Abitrigo.

De fato, a Argentina ressurgiu como concorrente de peso mundialmente. Em dezembro, o novo presidente eleito, Mauricio Macri, suspendeu os controles de capital, o que permitiu que o peso se desvalorizasse cerca de 30% em relação ao dólar em apenas um dia. Ele também eliminou a tarifa de 23% que era cobrada das exportações de trigo.

Outros produtores do Ocidente também estão sendo fortemente afetados.

Na safra passada, de 2014-2015, que ocorre entre julho e junho, a França forneceu quase 40% do trigo comprado pelo Egito, o maior importador do mundo da commodity. Na safra 2015-2016, a França só conseguiu vender seu primeiro carregamento de trigo para o Egito em novembro.

Essa venda foi beneficiada pela queda do euro em relação a outras moedas. Mas qualquer esperança de que a maré estava mudando para os exportadores franceses foi frustrada em dezembro, quando as medidas anunciadas por Macri fizeram com que o trigo argentino ganhasse espaço no mercado mundial.

“[O trigo] da França deveria ter vencido, mas o da Argentina estava lá, US$ 5 mais barato”, diz Gabriel Omnes, analista da consultoria francesa Stratégie Grains.

Foi por volta dessa época que Harvey, da Interflour, encomendou o primeiro carregamento de trigo da Argentina feito pela empresa desde 2009.

“Estamos sempre procurando novos fornecedores […] e agora temos vários para escolher.”

 

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