Além da Tela...

 

O Mercado como ele é

Há pouco mais de dez anos, precisamente no dia 28 de abril de 1995, uma sexta-feira, deixei o mercado financeiro para ser escritor. Deixei de vez. Na verdade, não foi uma decisão pensada, amadurecida, fruto de meses de angustiante lucubração. Não. Isso não é muito do meu feitio. Foi mais um gesto intempestivo, como boa parte das atitudes que tomei em minha vida, das quais, por sinal, pouco me arrependo. Aliás, suponho que as pessoas, ao morrer, se arrependam mais das coisas que não fizeram, pouco das que fizeram, quase nunca das que ousaram.

Nos três anos que antecederam àquela data, eu me dividira entre minhas funções como broker e trader dos mercados futuros de Nova York e de Chicago e a elaboração de meu livro Os Mercadores da Noite. Nesse livro eu conto, através da história de seu principal personagem, um mega-especulador de origem irlandesa, chamado Julius Clarence, tudo que aconteceu no mercado internacional na segunda metade do século XX.

Pois bem, nesse dia já tão distante, simplesmente concluí que não dava para fazer as duas coisas: operar no mercado e escrever. Era uma ou outra. E decidi que não podia abandonar o livro. Seria uma vileza, uma traição. Não podia deixar Julius Clarence morrer órfão, de inanição. Nem condená-lo a uma gaveta abafada e escura, ou aos recônditos do HD de meu computador. Já o mercado, não. Esse não sentiria falta de mim, como realmente não sentiu, apenas mais um entre dezenas de milhares de traders espalhados pelo mundo.

Mesmo fora do mercado, continuei acompanhando as cotações, primeiro pela leitura diária do New York Times, e semanal da Economist, depois, quando a Internet chegou para valer (em 1995 havia somente 30 mil internautas no Brasil), surfando pelos sites das agências especializadas em notícias do mercado e cotações.

Curiosamente, após esses dez anos de ausência, e de acompanhamento superficial, hoje me sinto mais apto a analisar o comportamento do mercado do que na época em que passava os dias sentado à uma mesa de operações, os olhos grudados na tela de um terminal. Pois descobri, com quase 40 anos de atraso, e com convicção rodrigueana, o óbvio ululante:

O mercado sempre tem razão. Sempre. Nunca erra. Aceitá-lo como é, significa entendê-lo.

Hoje em dia, se estoura uma crise política em Brasília, me limito a analisar a reação das bolsas. Se o dólar, o futuro de taxas de juro e a bolsa de valores não se movem (os dois primeiros para cima, a última para baixo) é sinal de que a crise (em termos de mercado) não tem importância, por pior que pareça no noticiário. Seja porque já estava embutida nas cotações, seja porque os fundamentos da política e da economia se divorciaram. Ou talvez porque o governo, ou o grupo dominante, fará aquilo que tem de ser feito, porque não há outra alternativa.

Aceitem o mercado como ele é. Esta é a principal lição que deixo aos novos traders. Esperem sua reação, seus movimentos iniciais, para decidir o que fazer. Se os ursos saem vencedor na casa do touro, acompanhem os ursos. Se vencem os touros, fique com estes. Não importa se o touro está nas estepes geladas da Sibéria, ou se o urso está pastando numa fazenda do Mato Grosso.

Caro trader leitor, nunca se esqueça de que nada é tão altista quanto um mercado que responde subindo (ou caindo pouco) à uma notícia que se poderia supor baixista, para não dizer trágica. Nada é tão baixista quanto um cenário no qual as cotações respondem mal às notícias que lhe são, aparentemente, favoráveis.

Se a meteorologia anuncia uma geada, e o café cai, esqueça a meteorologia e venda, mesmo que você more ao lado de um cafezal e esteja nevando do lado de fora de sua janela. Se o Fed aumenta as taxas de juro e o Dow Jones sobe, compre ações, compre índices futuros da bolsa, mesmo que o Federal Open Market Committee declare, com todas as letras, que o bias (viés), das taxas de juros, é de alta. “Forget the bias and buy” (esqueça o viés e compre), com perdão pelo trocadilho em inglês.

Infelizmente, como não opero mais no mercado, essa constatação não me trás lucro algum. Mas, por outro lado, tornou minha vida mais tranqüila. Não sofro com coisas imaginárias. Aprendi a interpretar tudo em segundos. E as vezes até acho graça, com a falta de conhecimento do redator do telejornal:

“O pronunciamento do senador no Congresso”, diz o apresentador na tevê “derrubou as bolsas”. “A Bovespa caiu 0,32%”, ele revela, como se 0,32% fosse queda. “O dólar subiu quase meio por cento”, prossegue o noticiário, como se quase meio por cento fosse uma alta ou reversão. Essas pequenas correções, levei um tempão para aprender, são não mais do que pontos de entrada, ideais para quem quer embarcar na nave da tendência.

A grande verdade é que o mercado é imbatível, diabólico, maquiavélico. Mas é também presciente, um guia quase infalível para o que vai acontecer. É simples, direto, e de facílima interpretação. O importante é saber respeitá-lo, segui-lo como um cão de fila segue o dono.

Por Ivan Sant’Anna

 
Kkk boa resenha,  ainda bem que foi escrever livro porque conta kkk
 
Excelente crônica. Sintetizou o que realmente é! e afirmo mais, que é nesses pluralismo tendencioso, manipulador, especulador, por parte de quem emana a notícia, ou a contra-notícia (fontes inseguras), uma boa fatia percentual de pessoas sem o natural discernimento de mercado, sofrem, infelizmente, o trágico insucesso mercadológico pelo mundo.
Razão: