EUA temem ter pouca munição para se proteger de uma crise econômica

EUA temem ter pouca munição para se proteger de uma crise econômica

9 agosto 2016, 16:59
Thalya Mantovani
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À medida que a recuperação da economia dos Estados Unidos se prolonga e o cenário em outros países se torna mais nebuloso, as autoridades americanas começam a se preocupar com a próxima recessão. A preocupação não é que ela seja iminente. As autoridades temem, na verdade, não ter poder de fogo suficiente para enfrentá-la quando ela finalmente chegar.

O dinheiro vem sendo a principal arma do governo americano desde que o economista John Maynard Keynes propôs gastos agressivos do governo para combater a Grande Depressão, nos anos 30. Os EUA geralmente injetam dinheiro na economia através de cortes de juros e impostos e aumento nos gastos públicos.

Mas pode ser difícil empregar essas ferramentas na próxima recessão. Os juros já estão próximos de zero e planos de incentivo fiscal podem ser obstruídos pelo alto nível de endividamento do governo e o já esperado aumento do déficit orçamentário.

Poucos economistas acreditam que os EUA estejam próximos de uma recessão. A economia americana parece ter recuperado o fôlego após um tropeço no primeiro trimestre e o Federal Reserve, o banco central do país, cogita elevar os juros de curto prazo pela primeira vez em quase dez anos para garantir que não haja um superaquecimento econômico.

Ainda assim, a ameaça latente é um lembrete de que, no atual cenário de crescimento lento, bastaria um choque para levar a economia global a uma crise. A economia japonesa se contraiu no segundo trimestre e a Europa teve um crescimento pífio. A desaceleração da China parece mais severa que o previsto inicialmente e a recente desvalorização do yuan pode provocar atritos comerciais.

Com a recuperação dos EUA entrando em seu sétimo ano, as autoridades estudam como reagir à próxima recessão, que é inevitável, se a história serve de guia. A expansão atual já superou em 16 meses a média registrada desde a Segunda Guerra, e nenhuma durou mais que dez anos.

“A economia mundial é como um cruzeiro sem salva-vidas”, escreveram economistas doHSBC Bank numa nota recente.

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Ben Bernanke, ex-presidente do Fed, disse em entrevista ao The Wall Street Journal que as ferramentas do governo serão “mais limitadas que o normal, mas de jeito nenhum são nulas.”

O Fed, por exemplo, poderia testar juros negativos e uma recessão talvez forçasse o Congresso e a Casa Branca a superar divisões partidárias para chegar a acordos que unam estímulos de curto prazo a planos de longo prazo para reduzir o déficit.

A estratégia do Fed de manter os juros baixos até a expansão atingir certo ponto tem a meta de ajudar a impedir um retorno à recessão. A presidente do Fed, Janet Yellen, referiu-se aos juros baixos como um seguro contra outra recessão; mais uma razão para o banco central agir lentamente em relação às taxas.

As preocupações se estendem à Casa Branca. “A política fiscal do governo será uma ferramenta mais importante para lidar com os ciclos futuros de negócios porque a política monetária pode frequentemente ser limitada”, diz Jason Furman, presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, em entrevista ao WSJ. “Isso é uma grande mudança na maneira como os economistas veem o mundo.”

Durante os últimos 25 anos, os EUA recorreram regularmente aos estímulos do Fed quando a economia perdeu fôlego.

Na recessão mais recente, os juros de curto prazo foram reduzidos para perto de zero e, depois, o banco central colocou em prática um volumoso — e polêmico — programa de compras de títulos de dívida para reduzir os juros de longo prazo. O Fed também prometeu manter os juros de curto prazo baixos por um período mais longo.

As medidas tinham a meta de tornar mais fácil para as famílias pagar suas dívidas, incentivar novos empréstimos e a tomada de riscos, na esperança de que isso estimulasse mais investimentos e o consumo.

A próxima recessão poderia ampliar as compras de ativos pelo Fed, mas, com a carteira do banco central já superando US$ 4 trilhões, há limites para o quanto mais pode ser comprado.

Bernanke diz que ficou impressionado em ver os bancos centrais da Europa derrubarem os juros de curto prazo para valores negativos, efetivamente cobrando dos bancos pelo dinheiro que deixam guardado em vez de emprestar. O Banco Nacional Suíço, por exemplo, cobra uma taxa de 0,75% ao ano dos bancos comerciais pelas suas reservas depositadas no banco central, um incentivo para que eles ofereçam empréstimos.

A teoria econômica indica que juros negativos levam as empresas e famílias a guardar dinheiro — basicamente, debaixo do colchão. “Parece que os juros podem ficar mais negativos do que o bom senso previa”, disse Bernanke.

Muitos economistas acreditam que as medidas de combate à próxima recessão terão que vir dos responsáveis pela política fiscal, não do Fed, uma perspectiva preocupante dadas as divergências filosóficas entre os dois principais partidos americanos: o Democrata, do presidente Barack Obama, e o Republicano, de oposição.

Os republicanos não acreditam que elevar gastos públicos estimule a economia e buscam reduzir, em vez de ampliar, o papel do governo. Os democratas, ao contrário, dizem que a austeridade prejudica a economia, principalmente em uma recessão.

A questão é em quanto os EUA poderiam aumentar sua dívida para tirar a economia da próxima recessão. A experiência de crises passadas gerou uma grande discordância entre os economistas.

Embora a dívida do governo — que avançou para 74% do produto interno bruto, ante 39% em 2008 — seja alta para os padrões históricos, o déficit orçamentário recuou para 2,4% do PIB, o que dá ao país um pouco mais de margem de manobra fiscal. Mas, mesmo que a economia cresça a um ritmo constante, o déficit deve ultrapassar os 3% do PIB no fim da década, aumentando ainda mais a dívida, segundo a agência parlamentar do Orçamento.

“Se houver outra recessão, haverá pressão para aumentar a dívida bem rapidamente, para um nível sem precedentes nos tempos modernos”, diz Stephen King, economista sênior do HSBC, em um relatório.

Ninguém sabe quando a dívida dos EUA poderia crescer sem causar inflação ou afetar os investimentos e o crescimento.

O Japão aumentou sua dívida para quase o dobro do seu PIB, mas essa experiência ainda não oferece uma referência clara. Os gastos não geraram crescimento significativo nem a dívida elevou os custos de captação do governo, como previa a teoria econômica.

Economistas da Moody’s Analytics dizem que os EUA poderiam ampliar sua dívida em outros US$ 5,6 trilhões sem muito perigo, o que é suficiente para proteger a economia de uma crise financeira como a de 2007-2009 com um estímulo de proporções semelhantes. Mas, mesmo que ficasse claro que os EUA poderiam elevar gastos ou cortar impostos, as divergências partidárias quanto ao programa de estímulo implementado por Obama em 2009 impedem um consenso sobre os benefícios da política fiscal numa recessão.

Republicanos questionam os efeitos do pacote de US$ 787 bilhões em gastos criado para conter os efeitos da crise financeira, enquanto a Casa Branca afirma que a recuperação da economia americana foi mais forte que nos países que rejeitaram o estímulo fiscal.

Em todo caso, as previsões de que dívidas crescentes levariam a uma alta da inflação e dos juros até agora se mostraram erradas. Apesar de a dívida dos EUA hoje representar uma fatia do PIB que é quase o dobro da registrada antes da crise financeira, os juros continuam baixos.

“Parece que temos muito mais espaço fiscal do que pensávamos dez anos atrás”, diz Furman, assessor econômico da Casa Branca.